Quem anda pelas ruas atento às novidades no comércio já deve ter reparado no aumento do número de drogarias. Dados da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) mostram que há no país atualmente mais de 78 mil unidades. A título de comparação, já existem mais farmácias e drogarias no Brasil do que padarias, estabelecimentos até então popularmente considerados “onipresentes” no país, que somam 70,5 mil unidades, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (Abip).
No estado de São Paulo, números do Conselho Regional de Farmácia (CRF-SP) apontam que as drogarias de rede são as que mais cresceram nos últimos dez anos: 53%, passando de 9.714 para 14.860 estabelecimentos na região. As independentes aumentaram apenas 14%, saltando de 9.554 para 10.850 unidades. Com 25.710 drogarias no total, o estado tem uma para cada 1,7 mil habitantes, superando a recomendação da Organização Mundial da Saúde, que é de uma para cada 8 mil pessoas.
O cenário não deve mudar. Para o coordenador do departamento de assuntos regulatórios do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Estado de São Paulo (Sincofarma-SP), Juan Carlos Becerra, o mercado brasileiro segue em expansão, puxado pelo aumento da expectativa de vida das pessoas. “O importante não é entrar em um mercado rentável, mas em crescimento. Na capital já há uma saturação, mas as grandes redes começam a partir para as periferias e municípios com 60 mil habitantes.”
Para a Abrafarma, que registra em 9,3% das empresas associadas 42% do faturamento do setor, a expectativa para o ano de 2019 é prover um crescimento ainda maior, muito por conta da retomada da economia. “Medicamentos, higiene e beleza seguem com grande força, por isso continua o ciclo de investimentos de abertura de novos pontos de vendas, apostando no crescimento do Brasil”, explica o CEO da entidade, Sergio Mena Barreto. De acordo com o presidente do CRF-SP, Marcos Machado, algumas redes até consideram a estratégia de abrir uma nova drogaria a cada dois dias a partir deste ano por todo o Brasil.
Essa expansão, principalmente das grandes redes, motiva os pequenos negóciosa se reinventarem para sobreviver. Para Machado, o mercado nos últimos anos focou na questão do preço. Como as drogarias independentes não conseguem concorrer à altura neste quesito, precisam direcionar seus esforços para o relacionamento e a prestação de serviços. “O desconto aumenta a clientela, mas não fideliza. A gestão dos pequenos passa por visualizar novos mercados, como a qualificação do serviço farmacêutico. A qualidade dos serviços prestados faz a diferença. O dinheiro não é tudo.”
Pensando justamente na qualidade do atendimento é que Marco Aurélio Piscitello segue firme à frente da Droga Cordis há dez anos. Sua pequena drogaria no bairro da Liberdade, na região central de São Paulo, não possui o destaque das grandes redes, contudo atende muito bem o seu público. “Nosso atendimento mais informal é talvez o nosso grande diferencial. Essa proximidade com o cliente, a chance de bater um papo e conhecê-lo melhor é o que faz a gente sobreviver”, explica Piscitello, que atua no segmento há 38 anos e já foi proprietário de outras drogarias.
Antes disso trabalhou ainda com medicamentos por dez anos em um laboratório de grande porte. “A gente vem acompanhando o mercado e sentindo as diferenças. Da greve dos caminhoneiros para cá houve uma queda. Nesse período também teve a Copa, eleições, então passamos a vender menos. Com isso precisamos controlar nosso estoque, avaliar bem as compras e o nosso fluxo financeiro”, destaca.
Cuidar da gestão do negócio é tarefa primordial. Na visão do coordenador do Sincofarma-SP Juan Carlos Becerra, o maior problema das pequenas drogarias está justamente na gestão. “Elas quebram do balcão para trás. O pequeno precisa ficar atento às tendências do comportamento do consumidor. Precisa se capacitar, ser empreendedor”, alerta.
Para o consultor do Sebrae-SP Adriano Augusto Campos, as pequenas farmácias e drogarias precisam estar prontas para lidar com a alta competitividade com estratégias para combater os concorrentes e manter a lucratividade nos negócios. “A gestão é fundamental, assim como novas ideias. Pensar em uma linha de medicamentos específicos pode ajudar a não competir diretamente com as grandes redes”, comenta.
Além disso, o especialista indica pequenas ações de relacionamento que podem auxiliar a fidelizar o cliente. “Criar um fluxo de lembretes aos clientes sobre o uso ou término de alguma medicação, ou até mesmo estender o atendimento para o WhatsApp pensando no público que tenha algum tipo de dificuldade de mobilidade podem fazer a diferença.”
Na Pharmácia & Cia, localizada em Perdizes, zona oeste de São Paulo, Ricardo Agostinho já coloca essas ideias em prática. Há 22 anos no bairro, o empreendedor procura resolver o problema do cliente de uma forma personalizada e rápida. “Se por acaso eu não tenho um remédio, vou ligar para outras drogarias que vão me emprestar ou vender diretamente para o cliente. O importante é resolver o problema dele e fazê-lo ser bem atendido”, comenta.
Agostinho brinca dizendo que, por vezes, o cliente não se lembra qual remédio precisa comprar, mas eles sabem. “O nosso atendimento é personalizado. Normalmente conhecemos o cliente pelo nome. Eles se sentem bem com isso e confiam no nosso trabalho.”
O empresário também aposta nos serviços para se diferenciar das grandes redes. “Medimos pressão, aplicamos injeção, teste de diabetes e não necessariamente aqui, mas na casa do cliente, até mesmo fora do horário da farmácia, como em um domingo às 6h, como já aconteceu”, lembra. Nas prateleiras da drogaria é comum encontrar remédios e itens de perfumaria muito específicos que, apesar da baixa saída, precisam estar presentes. “Tenho clientes certos para eles, e eles sabem que vão sempre encontrar aqui.”
Por causa dessas e outras particularidades no atendimento é que Agostinho confia na manutenção das drogarias de bairro, apesar de entender as mudanças do mercado. “Quem não conseguir trabalhar mais enxuto, visando realmente o bem-estar do cliente vai ter mais dificuldade. Conversar e conhecer faz parte, mas o cliente não volta porque eu sou legal, mas sim porque resolvo o seu problema.”
Fonte: Exame